novembro 09, 2006

de olhos abertos

insônia de noites uivantes de outono
ocorrem a cada virada da lua
frio cortante inibindo a quietude do corpo
convidam a companhia de um bom cálice de vinho tinto

vozes que acompanham caladas a discussão infrutífera
dentro de um quarto vazio

insônia de pensamentos
passagens pelas aragens de um lugar sem tempo
as estátuas frias com seus véus esvoaçantes
são as únicas a colorir o espaço do quadro negro

quebra cabeça de formas pontiagudas
cortam a massa cinzenta e em câmera lenta
enquanto procuro pelas crateras da lua que parecem aumentar sua profundidade ao olhar.
fixo e castanho

convido-a para uma conversa à toa,
mas ela se esquiva, se derrete com o chegar dos tons rosados das horas que passaram
não tem importância, aguardo pacientemente por sua virada e sua companhia numa dessas outras noites sem tempo que virão...

para contemplar

outra forma de olhar as coisas, uma forma de contemplar e pensar sobre a situação feminina no mundo através do tarô...

-mas a senhora (a papisa) não preferiria ser a primeira?
seguiu-se uma longa pausa.
"você deve ler da esquerda para a direita, com certeza", disse ela finalmente, com os olhos fitos num ponto cerca de trinta centímetros acima da minha cabeça e com vários séculos de profundidade.
-mas, Senhora, seja qual for a direção em que se lê, ao contar, o número um sempre vem primeiro!
"isso é verdade, minha querida", assentiu ela placidamente, "e o número dois vem depois. A matemática foi difícil para mim, também, a princípio, mas a gente logo se acostuma a ela"
-mas sem dúvida é melhor ser primeira?
" ah meu deus!" suspirou ela. "quanto trabalho vocês, modernos, arranjam para si mesmos com toda essa avaliação! Não admira que tenham inventado computadores a fim de trabalharem para vocês."
-quer dizer que a senhora é contra a avaliação? deve achar, então que a gente ser primeira ou segunda dá no mesmo?
"oh, não. É claro que não dá no mesmo. É diferente. Muito diferente. Aí bate o ponto, entende? Nem melhor, nem pior - apenas diferente. cada lugar tem o seu sabor - como as especiarias - ou os perfumes. Gosto de pensar que somos flores - O Mago (que é a primeira carta) uma virga-áurea e eu, uma rosa."
-sim, percebo. Mas há duas coisas que ainda me intrigam. Dizem que Eva foi uma idéia tardia do Criador - a costela de Adão, a senhora sabe. Isso é verdade?
"Tolice! a costela de Adão foi completada antes que ele o fosse. O fato é que Adão só deu por ela mais tarde. Foi isso que aconteceu."
"Tenho aqui uma gravura (...) Por aqui se vê perfeitamente que Eva não é a costela de ninguém! É, antes, uma deusa e, como todos esses seres imortais, nasce adulta - um nascimento milagroso. Atrás dela, ergue-se a sua gloriosa serpente. Não são lindas as duas? Mas Adão está dormindo; não nem sabe que ela existe. Hoje ele começa a despertar para a realidade dela, mas ainda não sabe muita coisa a seu respeito. Na verdade, nem mesmo Eva está plenamente convencida de própria realidade. Se olhar para o rosto dela, você a verá ainda absorta num sonho, colocada, como a Miranda de Shakespeare, no limiar de um Corajoso Mundo Novo."
Salie Nichols - Jung e o tarô: uma jornada arquetípica

novembro 05, 2006

brisa do leste

a brisa vinda do leste indica a hora do vôo, a hora de se trocar os caminhos e pensar na viagem mais colorida. primavera chegou e com ela novos cheiros invadem a casa...
o caminho torna-se mais leve, mais cômodo, mais fresco... o cheiro ocre de terra molhada se torna mais vívido.
vê-se um oásis em meio aquele deserto amarelado e gasto, novas conjunturas astrais se formaram, enterrando de vez a estrela reluzente nessa areia que corta os pés e rostos...
o mentor decidiu, após um tempo sem fim sentado no monte ao léo... existe a terra úmida, existe o cheiro de damas da noite, existe uma terra fértil logo ali, há alguns milhares de quilômetros e vale à pena percorrer este caminho.
as forças já não ladram mais no meio da noite, também não se comportam ao mando de seu mestre, mas entendem a mudança do caminho...mantém-se à espera de um deslize para ladrar, correr, morder, enfim, fazer o escarcéu que praticam há anos a fio... seu mestre sabe disso, e parece mais atento a este novo comportamento de suas belas tigrezas... seus filhotes cresceram e procuraram por novas aragens, ele tenta seguir as marcas deixadas por suas patas, sabe que por elas desenham outro caminho possível de sair deste deserto...
lembra da estrela com carinho, com a consideração de deixar um teusouro escondido aos olhos do mundo, de voltar às terras úmidas sem sua glória, sem seu prêmio que tanto lutou por ter. mas tenta voltar com a cabeça erguida, com a segurança de que o caminho traçado lhe trouxe o maior dos presentes: racionalidade. pode não ser a medida perfeita, mas se mistura facilmente ao mar de emoções incontroláveis que carrega dentro de si. é a pitada essencial para o começo de uma nova terra. é a semente que crescerá como um pé de feijão... será? nem tanto, mas quase isso. só mais alguns milhares de quilômetros...